quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Estórias


Adoro estórias,
Segundo uma leitura de aura que me fizeram, noutra vida fui contadora de estórias. Com esta capacidade ajudava as pessoas a reverem-se nos personagens que eu criava e desta forma elas superavam as maleitas que tinham.
Infelizmente para esta vida pouco me resta desse dom e dessa criatividade, embora adorasse recuperá-la, porque adoro estórias.
A capacidade da escrita e da imaginação fascina-me, o momento criativo e fluir das palavras intriga-me. Gostava de ser assim, de ter essa capacidade, essa imaginação.
Lembro-me de quando era pequena sentava-me ao colo de um tio que a seguir ao almoço nos contava estórias ali à pressão inventadas que me faziam voar! Ficava sempre sem saber se eram inventadas ou verdadeiras, revia cada descrição e contruia cenários imaginários de cada cena que ele entusiasticamente recitava (quase sempre sobre caçadores)!


Ataxia Dysarthia Abres os olhos e estás num hospital.
Os corredores não têm ninguém porque são 3 da manhã. As únicas pessoas que te guardam é a imagem reflectida na bolsa ligeiramente espelhada do soro.
Estás por tua conta...como aliás no fundo sempre estiveste. Suportaste e superaste hospitais, suportaste e superaste funerais, suportaste e superaste expulsões da escola, suportaste e superaste efemérides inolvidáveis da vida sozinho...o curso, a pós-graduação,os primeiros concursos públicos, os medos de quem oficialmente começa a vida de adulto,os dignósticos dos médicos, os receios dos exames clínicos, a primeira consulta no dentista em 26 anos...estás absolutamente sozinho rodeado de gente que quer estar ao teu lado, de gente que te quer conhecer, de gente que te quer apresentar gente...
São 3 da manhã.Estás deitado numa maca e a única companhia que afinal tens são as gotas de soro que caem tão pontuais e ritmadas como silenciosas e clarividentes. A cada nova gota de soro cais aos poucos na dura realidade de estares sozinho e perceberes que afinal foste mais companhia que acompanhado, mais amigo que namorado, mais presente que futuro, mais filho que orgulho,mais remédio que cura...
Estás sozinho e a única coisa em que pensas é no teu avô e em quanto desejas estar ao lado dele a comer uma peça de fruta magistralmente descascada por ele. De repente percebes que não comes fruta porque faz-te lembrar na última coisa que o teu avô comeu antes de perceber que era mais passado do que futuro.
De repente percebes que herdaste dele mais que os cabelos brancos na parte da frente do teu couro cabeludo...de repente percebes porque é que nunca foste parecido com ninguém da tua família senão com ele...de repente percebes porque é que sempre te sentiste tão sozinho...tal como ele todos os que admiras e entregas a tua vida acabam por te deixar sozinho...São 3 da manhã.Estás sozinho naquele corredor.
Ocasionalmente passa-te um enfermeiro pela tua mais recente propriedade...metro e meio de maca com uma roda que chia a cada curva para a esquerda.
O tempo passa e perdes-te na sensação de adormecimento que invade o teu corpo e a tua mente...dás por ti a dar nome à maca:La Poderosa! -dizes num sussuro quase mudo. Não consegues evitar um sorriso antes de finalmente caires num sono profundo...
RJML

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