terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Spooky

Era mais um Domingo e uma daquelas manhãs frias e solarengas de meados Agosto em São Paulo.
Mais uma daquelas manhãs em que o típico Paulista levanta bem cedo o rabinho da cama e vai fazer jogging para o Ibirapuera.
Mais uma daquelas manhãs em que São Paulo (que alberga mais de 20 milhões de pessoas) parece uma cidade fantasma.
Naquela manhã eu (na euforia de querer aproveitar cada segundo naquela cidade/mundo Maravilhosa) tinha decidido ir à feira da Benedito Calisto (uma versão MEGA da feira da Ladra) que tanto me haviam falado e eu ainda não tinha tido oportunidade de ir conhecer.
Como sempre, parei na padaria do costume para tomar o café da manhã. Como habitualmente, sentei-me naquele balcão daquela Padaria de filhos de imigrantes portugueses oriundos dum qualquer vilarejo do raio que o parta lá pós lados de Freixo de Espada à Cinta!
Como todos os dias pedi o misto quente em pão francês, uma Vitamina de Acerola e aquele cafezinho delicioso de coador servido em copo de vidro.
Saboreei o repasto e dirigi-me ao "caixa para pagar" como sempre a conta iria rondar os 5 Reais, como todos os dias eu iria pagar, ainda pedir um maço de cigarros e encher os bolsos de deliciosas "balas" que iria comendo ao longo do dia.
Mas naquele dia foi diferente, quando cheguei à caixa e apresentei o tiket rabiscado pelo atendente, com que havia consumido, para pagar, a Senhora de sorriso 33 diz:
- A sua conta já foi paga!
UUUUUUU... Pára tudo! Demorei uns segundos a raciocinar....
- Como assim já foi paga?! Eu ainda não paguei!!!!
- Mas alguém já pagou pra você! Prontamente ela respondeu
Rapidamente comecei a fazer os meus cálculos mentais e a tentar perceber quem é que me teria oferecido o pequeno-almoço.
A Senhora do sorriso 33 com quem trocava uma palavras todas as manhãs, em que ela desabafava as saudades que tinha de Portugal enquanto eu escolhia as guloseimas que iria levar naquele dia, não podia ser! Afinal ela era a dona do estabelecimento e o seu objectivo era o negócio. Era ponto certo que nunca me iria oferecer o pequeno-almoço por dar cá aquela palha.
O moço atendente do balcão também não poderia ter sido, trocávamos algumas piadas e ria-mos das diferenças linguísticas entre o português de Portugal e o do Brasil. Era também certo que com a mixaria que ele ganhava não me iria oferecer o café da manhã só pelos meus lindos olhos verdes!
A menina que ficava vendendo carnes frias e trocava sorrisinhos com o atendente do balcão também estava excluída.
Estavam postas de lado as pessoas prováveis. Então quem poderia ter sido?!
- Desculpe, mas não pode ser! Teimei peremptoriamente
- Mas é alguém já pagou pra você! Já está pago e eu não vou cobrar segunda vez! Voltou ela a confirmar
Eu já estava a ficar nervosa e curiosa! Já me estavam a subir os calores à cabeça, naquela manhã fria! O misto quente já me estava a cair mal!
Decidi parar de teimar e ceder!
- OK! Então por favor me diga quem foi que pagou meu café da manhã. Já que a Senhora não vai cobrar pelo menos eu quero agradecer para essa pessoa.
Vendo minha ansiedade, ela falou!
- Tudo bem moça, quem mandou pagar sua conta foi aquele Senhor que está sentado lá no fundo do balcão.
Olhei ao meu redor, deixei os meus olhos cair num coroa bem aparecido, vestido ao “estilo Inglês” e de chapéu, que eu nem havia notado anteriormente.
Curiosa, que nem um gato, em lugar de sair dali rapidamente, enchi o peito de ar e decidi ir falar com o Velho!
Nos 5 passos que me afastavam de tal figura a minha cabeça fervilhava de questões
“Minha Nossa Senhora, como é que eu vou encarar essa coroa e agradecer pra ele? Não vou nada agradecer – vou é dar-lhe o dinheiro e pirar-me daqui, se ele não aceitar eu vou insistir. Porque carga de água é que ele resolveu pagar o café pra mim? Será que é um qualquer “Tio” Português de viagem ao Brasil e não estou reconhecendo? Ou será que é um maluco a tentar meter-se comigo? Em centésimos de segundos a minha cabeça se encheu de perguntas pras quais não estava achando a resposta.”
Contornei o Balcão que tinha a forma de um U e quando cheguei perto dele e o meu coração batia aceleradamente. Aproximei-me por trás enquanto ele estava sentado voltado para o balcão meio cabisbaixo a fumar o seu charuto.
- Hmm Hmm – Pigarreei para aclarar a Voz:
- Desculpe, é…. é que a Senhora do caixa me falou que o Senhor pagou minha conta e como eu penso que foi engano eu quero lhe retribuir. (esforcei-me para acentuar bem o meu sotaque brasileiro recentemente adquirido) e disse tudo de sopetão!
O Velho, voltou-se para mim num segundo que pareceu uma eternidade, fitou-me com os seus olhos de um azul translúcido e afirmou na sua voz cavernosa e arrastada:
- Não minha filha, a Senhora não se enganou! Eu é que insisti em pagar a sua conta! É a única coisa que eu posso fazer! Você deve ser a reencarnação da minha neta que morreu! É igual a ela! E eu sei que nunca mais vou ver nem ela nem você! Eu queria falar pra ela o quanto a Amo e o quanto sinto a sua falta, mas não posso. Por isso por favor, me deixe lhe oferecer seu café da manhã que é a única coisa que eu posso fazer.
O meu cérebro parou! Esperava tudo menos isto! Os meus 5 sentidos ficaram alerta e percorreu-me da cabeça aos pés um arrepio que me deixou a pele igual à de uma galinha depenada! Senti pena dele, compaixão, mas acima de tudo MEDO e uma urgência enorme de sair dali!
A minha reacção foi balbuciar um rápido:
- Sendo assim muito obrigada pela gentileza!
Virar costas e tentar não correr! Saí da Padaria sem os cigarros nem as balas e não voltei lá durante algumas semanas!
Nunca mais esqueci aquele velho e o seu olhar há de ficar gravado na minha memória por muito tempo!
Spooky

1 comentário:

pufa disse...

hipótese1: o que ele queria sei eu!
hipótese2: o tipo tinha alzheimer e só queria com quem divagar no seu mundo.
hipótese3: era tudo verdade e nesse caso devias ter travado mais conhecimentos - um "avôzinho" assim dava jeito que aparecesse mais vezes. ou então voltavas atrás e sendo assim encomendavas o almoço e o jantar também.
;)